Brasil: já não é o país do futuro?

junho 2, 2016
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Chamber of Deputies, the lower house.  José Cruz/ABr - Agência BrasilChamber of Deputies, the lower house. José Cruz/ABr – Agência BrasilO Brasil enfrenta sua mais profunda crise política em décadas, com a presidente Dilma Rousseff afastada do cargo por 180 dias, enquanto o julgamento do impeachment ocorre no Senado. Durante esse período, o vice Michel Temer assume como presidente interino. Melvyn Levitsky, ex-embaixador dos EUA para o Brasil, é professor de Política e Práticas Internacionais na Escola de Políticas Públicas Ford e discute os desafios do país.

Ann Arbor – Quando eu servi no Brasil, pela primeira vez, como jovem diplomata norte-americano, em meados dos anos 60, em um pequeno consulado em Belém, próximo ao Rio Amazonas, o país estava no segundo ano de um regime militar que durou duas décadas.

Apesar da inflação galopante, que resultou em ‘zeros’ sendo regularmente cortados da moeda e um regime autoritário que admitia pouca dissidência pública, muitos consideravam o Brasil como o “país do futuro.” Charles de Gaulle teria acrescentado a frase, “e sempre será.” O otimismo foi fundado no enorme arsenal de recursos minerais, na rica terra agrícola e no capital humano das regiões sul e central, as mais bem desenvolvidas do país. A ironia de De Gaulle se referia à dificuldade em fazer bom uso dessas vantagens.

Quando voltei ao Brasil como embaixador dos EUA em meados de 1994, parecia que o otimismo estava vencendo. O governo recém-eleito do presidente Fernando Henrique Cardoso começou a dominar a inflação, a privatizar as indústrias estatais, a reduzir tarifas e a aumentar a transparência. As reformas dos sistemas políticos e econômicos transformaram o Brasil em um modelo positivo de um país democrático maduro para investimento estrangeiro e o deram um papel mais importante nos assuntos mundiais.

A tempestade política perfeita
O Brasil está hoje no meio de uma perfeita tempestade de problemas.

O país está passando por uma crise econômica, política, social e moral que desafia sua estabilidade. Sua economia está em declínio acentuado. A coalizão do governo se dividiu. Um grande número de funcionários do governo, de políticos e de empresários proeminentes estão sendo investigados ou estão na prisão por corrupção. Protestos nas ruas ocorrem regularmente. E, claro, a presidente Dilma Rousseff, cuja popularidade tinha caído em um dígito, foi cassada pela Câmara dos Deputados do Brasil. Ela está temporariamente suspensa do cargo aguardando um julgamento do Senado. Seu vice-presidente, Michel Temer, é o presidente interino, mas está sendo investigado por irregularidades de campanha e um possível envolvimento no “Petrolão”, ou o escândalo de corrupção da Petrobras.

Por que e como esta crise surgiu? Afinal, Rousseff foi precedida por seu mentor, o popular Lula da Silva, que teve o bom senso de manter muitas das políticas úteis de Cardoso, enquanto gradualmente implementou reformas sociais como o “Bolsa Família”, um programa de transferência condicionada de ajuda para as famílias mais pobres do Brasil.

Parte da resposta está na má sorte. Uma parte maior, no entanto, pode ser atribuída a um sistema político disfuncional, a uma classe política orientada pelo poder e ganância e um consequente ceticismo dentro da população ativa.

A má sorte vem primeiro de uma seca prolongada que criou apagões e danos à agricultura de energia elétrica. Isto gerou uma forte insatisfação pública, especialmente no estado de São Paulo, que é o motor da economia do Brasil.

Coincidente a isso, o notável enfrentamento da crise financeira mundial no Brasil foi parado pela estagnação econômica na China, o principal mercado de exportação do Brasil e da Europa. A queda dos preços das commodities ao longo deste período também atingiu pesadamente o Brasil. Protestos públicos por parte de cidadãos da classe trabalhadora, a fonte de força do Partido dos Trabalhadores do Rousseff (PT), alimentada pela crise econômica, entrou em erupção em confrontos de rua depois de um aumento muito adiado das tarifas de ônibus e de uma greve dos motoristas de ônibus. A derrota esmagadora do Brasil para a Alemanha (1-7) na Copa do Mundo, sediada no Brasil, deu ainda mais força à insatisfação pública.

A agonia da derrota.
Além da má sorte

Quanto aos problemas mais sistêmicos, um primeiro olhar deve ser dado ao método de transição do Brasil, do governo militar para um regime civil no meio da década de 1980.

A atual Constituição do Brasil foi negociada então, entre os dois principais partidos políticos, os novos partidos potenciais, os políticos de esquerda, direita e centro, os acadêmicos e os militares. O que emergiu ao longo de três anos foi um documento de 200 páginas quase com dezenas de títulos, capítulos, artigos e incisos que foram concebidos para estabelecer as normas sobre todos os aspectos da vida brasileira e para não dar qualquer vantagem a nenhum grupo. É uma espécie de impasse intencional. Por exemplo, alterar o regime de pensões ou a distribuição do dinheiro dos impostos para as instituições federais e estaduais, muitas vezes requer uma emenda constitucional e um voto de três quintos em ambas as Casas do Congresso – mesmo que as disposições sejam cotidianas.

De igual relevância para a presente situação do Brasil é o sistema dos partidos políticos do país. A complexa Lei dos Partidos, aprovada pelo Congresso e assinada em setembro de 1995, não fez quase nada para simplificar o sistema ou reduzir o número de partidos políticos. Existem hoje 39 partidos políticos registrados no Brasil, com mais de 30 representados no Congresso. Mudar o nome, a reformulação ou simplesmente trocar de partido pode ser feito virtualmente, da noite para o dia. A lealdade aos partidos, especialmente aos menores, é inexistente. Muitos deles são apenas lugares para pendurar seu chapéu político até um lugar melhor aparecer.

Porque qualquer presidente, bem como a oposição, precisa de uma coligação de partidos para ter sucesso, o impulso à corrupção de um tal sistema é imenso, considerando promessas, contratos governamentais, favores políticos e constituintes, posições governamentais e do Congresso e nepotismo.

O PT de Dilma, uma vez considerado o mais honesto dos partidos políticos do Brasil, está completamente desacreditado. Como um membro do PT de longa data disse, “O Partido dos Trabalhadores era um partido de esperança, mas seus líderes foram intoxicados pelo poder, e agora a esperança está desmoronando.”

Finalmente, existe o fator pessoal. Michel Temer é apenas “interino”. No entanto, ele acaba de fazer mais de 20 novas nomeações de gabinete e apresentou um orçamento revisto e reduzido em escala ao Congresso. Ele parece acreditar que Rousseff vai ser julgada pelo Senado e que ele será presidente até o fim de seu mandato em janeiro de 2019. Dilma prometeu lutar vigorosamente contra sua destituição aprovada pelo Senado.

Se Rousseff vencer no Senado nos próximos seis meses, ela terá que reconstruir seu governo. A possibilidade de três governos em seis meses vai acrescentar ao caos e à rotação do Brasil para baixo em um momento em que os preparativos finais para Jogos Olímpicos deste ano estão em um ritmo frenético.

Os cidadãos do Brasil podem apenas jogar a toalha e mudar de canal para assistir uma novela diferente.